Amor E Sofrimento

Antoninho conservava seu altarzinho sempre em ordem, pronto para celebrar. Rezava sua missa com todas as cerimônias litúrgicas, cheio de devoção e sinceridade. Fazia práticas com entusiasmo e ensinava o catecismo às crianças e adultos. Muitos alunos do grupo escolar, ao terminar as aulas, corriam para a sua casa afim de aprender o catecismo. Em muitas ocasiões seu pai vira-se obrigado a intervir, atendendo à sua saúde e, por isso, cautelosamente afastava as crianças de sua casa.

Antoninho ficava entristecido, enlevado como estava pelo desejo de fazer o bem a tantas almas, mas, ao mesmo tempo, resignava-se docilmente às ordens paternas.

O saudoso e querido D. Epaminondas, conhecendo Antoninho através da palavra bondosa do Reverendíssimo Padre Ascanio Brandão e sabendo-o um menino prodígio, não só pelo zelo e amor acendrado à Igreja, como também pela grande vocação de seguir a carreira religiosa, fez-lhe presente enviando para São José dos Campos, onde ele se achava de um altar portátil, paramentos e o imprescindível para a celebração da Santa Missa, além de sua valiosa benção, favor imenso que muito agradou o pequeno servo de Deus. Antoninho ficou no auge da alegria, pois o seu maior anelo vinha de se realizar, ele poderia espalhar a caridade, profusamente, sob o calor de sua crença, revigorada agora pelo amparo que lhe prestava aquele virtuoso e grande bispo.

Preparou, de folha de Flandres, uma custódia tão perfeita, que aos poucos acreditaram fosse ele o artífice. Assim dizia Antoninho a sua missa, todos os dias vivendo daquele amor que tanto lhe abrasava a alma no seu deslumbramento pelas coisas santas!

Onde quer que chegasse o nosso menino à procura de lenitivo para o mal que lhe ia aos poucos corroendo a existência, deixava um traço indelével de suas acrisoladas virtudes. Ao sacristão, seu particular amiguinho, disse um dia :
- Eu não serei padre, mas você sim, que é forte e tem saúde.
Evidentemente, depois seu venturoso amiguinho freqüentou um conceituado estabelecimento de ensino, onde estudou a fim de se preparar para assim poder ingressar no seminário, não temos mais contato com ele, então não podemos dar mais detalhes. Deus nos seus altos desígnios, não querendo que Antoninho fosse um seu ministro na terra, preparava-o para um de seus anjos no céu.

Antoninho sentia um prazer imenso quando assistia a Santa Missa. Fazia convergir então toda a sua bondade, expandindo-se em ternuras ao referir-se ao Santo Sacrifício. Fazendo a prática, abordava temas da sagrada escritura, explicando com facilidade os santos evangelhos. A princípio gozava de boa saúde, porém a tuberculose assaltou-o insidiosamente aos primeiros anos da sua breve existência, assim é que não lhe fora dado freqüentar por muito tempo nenhum estabelecimento de ensino. Agora engana-se E MUITO quem pensa que ele não sabia ler nem escrever, como podemos ver no desenho abaixo enviado por outro familiar “Mario Escobar Marmo” este é um desenho feito pelo nosso menino, com isso acho que podemos encerrar o assunto de que ele não sabia ler nem escrever.

Desenho de Antoninho da Rocha Marmo
Desenho de Antoninho da Rocha Marmo

Todos os seus atos visavam sempre a catequese. Seu grande amor pela salvação das almas, levava-o a celebrar a sua missa a qualquer hora, aproveitando a assistência que sempre se apresentava curiosa por ouvi-lo. Antoninho não conhecia somente o valor imenso da santa missa, como o sacrifício incruento do corpo e sangue de Jesus Cristo, oferecido ao Eterno Pai, sob as espécies sagradas de pão e vinho! Dizia que o fruto copioso não só aproveita aos fiéis espalhados em todo mundo, como também às almas benditas que padecem no Purgatório. Não seria demais recordarmos o que nos conta em suas “Memórias” publicadas em 1861 o famoso padre Lacordaire.

Conta-nos o festejado escritor que um príncipe polaco, incrédulo e materialista, havia escrito um livro contestando a imortalidade da alma, o qual deveria ser publicado dentre em breve. Passeando certo dia pelos jardins de seu suntuoso castelo, deparou com uma pobre mulher que desfazendo-se em pranto, humildemente lhe expôs sua recente viuvez, dizendo que nada possuía para mandar celebrar uma missa pela alma de seu marido. Pedia-lhe pois, a caridade de um auxilio, o príncipe não teve ânimo de repeli-la, tirou do bolso uma moeda de ouro e lhe deu. Confortada em sua dor por esse magnânimo gesto, encaminhou-se à igreja e mandou celebrar a missa. Estando o príncipe em seu gabinete de trabalho, apareceu-lhe um camponês que disse:
- Príncipe, venho agradecer-vos. Sou marido daquela senhora que vos pediu uma esmola para a celebração de uma missa em meu sufrágio. A vossa caridade agradou a Deus, e ele permitiu-me viesse agradecer-vos.

O príncipe estupefato queimou seu livro ainda inédito, e converteu-se.

Antoninho insistia na grave obrigação da assistência à Santa Missa aos domingos e dias santos de guarda. Tirava disso todo proveito para sua alma. Era como o cervo a correr, sequioso, para a fonte cristalina onde Jesus, todo seu amor, se achava por ser o caminho, a verdade e a vida!

O desejo de Jesus dando-se à alma, é produzir nela uma certa analogia, e por isso, o sonho de Antoninho era transformar-se constantemente naquele a quem amava.

Conseguiu este estado divino que Jesus quer estabelecer na alma que o recebe, vindo a ela, para que ela permaneça. Nele, isto é, que tenho plena confiança em sua palavra se abandone a ele, para cumprir a vontade divina, e não ter outro móvel da sua atividade senão a ação de seu espírito : QUI ADHERET DOMINO UNUS SPIRITUS EST. (I – Cor. VI, 17).

Capela de Antoninho, na casa de seus pais
Capela de Antoninho, na casa de seus pais

Antoninho nasceu no dia 19 de outubro, dia em que a igreja festeja S. Pedro de Alcântara, o grande penitente, não fugiu à virtude máxima de seu Santo protetor. Todas as virtudes desabrocharam em sua alma como um perfumado jardim orvalhado pela graça divina. A penitência, porém foi sua virtude predileta, fundamento de toda sua santificação. QUOTIDIE, MORIOR ( I – Cor XV. 37), palavras do grande S. Paulo. Mas, se ele “morria todos os dias” pela grande virtude da mortificação do sofrimento, era para viver mais diariamente da vida Cristo!

Antoninho nos deixou este pensamento, dizendo em certa ocasião:
- Jesus subiu ao céu e nos legou a sua cruz!

A cruz da mortificação da penitência, que reprime os desejos mesmo legítimos, fazendo-nos aceitar com alegria as dores que afligem o nosso corpo. Pode-se dizer que Antoninho sofreu toda vida. Contraiu logo a tuberculoso que o deveria arrebatar opulento de méritos para a eternidade. Nunca se lhe ouviu um lamento, uma queixa se quer, nas crises mais agudas da moléstia, quando se lhe perguntava se sofria muito, respondia com um sorriso! Que exemplo edificante impregnado de ensinamentos e motivos para uma profunda meditação. Amoroso e sobremaneira dócil, sofria moralmente mais do que fisicamente, vendo que seus queridos pais se mortificavam também. Nessas ocasiões, excedia-se em carícias, o que mais ainda os comovia, pela certeza que tinham da sua curta permanência na terra.

Quando Antoninho surpreendia sua mãe chorando, como que procurando adivinhar quantos dias ainda iria possuí-lo, ele confortava-a até vê-la sorrir. Assim, ia ele tecendo com suas próprias mãos a coroa que seria um dia seu galardão no Paraíso! Com o sofrimento, ia aumentando dia a dia a graça em seu coração. Unindo-se cada vez mais a Jesus, conhecia que “o servo não está acima do senhor” como dizia o evangelista S. Lucas. Tornava-se fonte de perenal alívio para Antoninho, todo sofrimento, por isso que amava a Deus TOTALITER ET TOTUM. Amou a Deus TOTALITER no sofrimento e na dor, em toda sua curta existência, sempre com o mesmo e angelical sorriso, resignando-se obedientemente à vontade divina. Alimentando por uma fé ardente que o fazia viver do Paraíso, via cantar em sua alma angelical o CUPIO DISSOLVI ET ESSE CUN CHRISTO, do grande Apóstolo S. Paulo.

 

Agradecimentos: Padre Olegário da Silva Barata